Tudo começou em 87, quando Digão e Rodolfo se conheceram, por morarem na mesma rua, num dos bairros de Brasília. Naquela época Rodolfo tocava guitarra, e Digão bateria. Logo se reuniram para jogar conversa fora e tocar as músicas de seu grupo favorito - os Ramones. Segundo Rodolfo, o amplificador utilizado por ele era tão ruim que ficava igual. E Digão levava um som bem "hardcore", influenciado principalmente por Dead Kennedys (ele considera o álbum "Bedtime For Democracy" o seu predileto). Mas faltava o baixo.
A sugestão de Rodolfo foi chamar o Canisso,
pois ele daria um visual "arrojado" para a banda. Com a entrada de Canisso,
o negócio começou a ficar um pouco mais sério, e as
primeiras composições começaram a surgir. E foi no
reveillon de 88, na casa do amigo Gabriel (ex-vocalista e guitarrista da
banda Little Quail), que aconteceu o considerado primeiro show do Raimundos.
E uma das pessoas na platéia era ninguém menos que o futuro
baterista da banda, Fred Mello. E ele comenta: "eu lembro que eles tocaram
covers de bandas que eu gostava muito naquela época, além
de músicas próprias com letras interessantes". Rodolfo complementa:
"Já era 'forró-core' na época: a gente tocava uma
música nossa, uma do Zenilton (o forrozeiro predileto dos caras)
e um monte dos Ramones", conta - utilizando o rótulo criado por
eles próprios para definir o estilo da banda (conforme o encarte
da fita demo), mas que depois viria a ser "amaldiçoado" pela banda.
A parte nordestina do som do Raimundos é hereditária, a cultura
nordestina sempre esteve presente na vida deles. "Minha família
é da Paraíba, e eu me lembro que desde os dez anos, eu sempre
ia naqueles churrascos familiares com os meus pais. Tocava forró
o tempo inteiro, e eu achava aquilo um saco. Só gostava das músicas
do Zenilton, por causa das letras sacanas, achava aquilo muito fera", conta
Rodolfo. Dessa forma, estava definida a fonte de inspiração
da banda. O próximo passo era a divulgação, através
de shows em pequenos bares de Brasília, e principalmente festas.
Segundo Fred, que presenciou de fora o início da banda, "existia
um estigma em Brasília, sempre que tinha uma festa e o Raimundos
ia tocar, a festa lotava". A banda continuou dessa forma durante dois anos,
até sua separação.
Com o surto de bandas de heavy metal que tomou
conta da cidade (1989/90), a banda passa a acreditar que deveria seguir
o mesmo caminho para atingir o sucesso. Resolvem recrutar músicos
melhores (um novo baixista e um segundo guitarrista), achando que deveriam
tocar melhor. Em 90, a banda se separa, devido a diversos problemas internos.
"Cada um foi cuidar da sua vida. Canisso foi estudar Direito (Universidade
de Brasília) e teve seus filhos, o Digão largou a bateria
por problemas auditivos (estava ficando surdo) e começou a tocar
guitarra, e eu cantava em uma banda chamada 'Royal Straight Flesh'", afirma
Rodolfo. Depois, Rodolfo se casou e foi morar no Rio. "A separação
nos fez bem. Todos crescemos muito e chegamos à conclusão
de que queríamos ser músicos mesmo", afirma Digão.
Em 92 surgiu uma oportunidade de tocar em um
bar em Goiânia e a decisão foi unânime: o Raimundos
seria ressuscitado. Porém, como a banda não tinha mais baterista
(Digão agora era guitarrista, deixando Rodolfo livre para os vocais),
a saída foi apelar para uma bateria eletrônica. Canisso explica:
"Arrumaram um show pra gente em Goiânia. Levamos tudo preparado na
eletrônica, pois a mesma batida dava pra todas as músicas
dos Ramones. Só que por um problema de impedância, o negócio
tocou tudo diferente". Era inevitável a procura por um novo baterista.
Ainda em 92, Fred, que já era fã
do grupo, foi recrutado para a bateria, dando um direcionamento mais sério
para o trabalho da banda. Rodolfo conta: "o Fred entrou na banda e logo
se adaptou. Tirou todas as músicas na bateria, começamos
a fazer shows, no ano seguinte já gravamos a demo, e estamos nessa
correria até hoje". A famosa fita demo do grupo gravada em 1993,
levou o nome de "Raimundos Demo-Tape", e continha quatro músicas:
"Nêga Jurema", "Marujo", "Palhas do Coqueiro" e "Sanidade" - esta
inédita em álbuns até hoje, por se tratar de uma letra
séria, totalmente diferente do estilo que consagrou o grupo - além
disso, seus riffs inicais foram utilizados na música "Tora Tora",
enterrando de vez a idéia inicial). Com essa fita, a banda iniciou
a sua divulgação pelo país. A fita espalhou-se rapidamente,
pois o som da banda era uma novidade no cenário musical brasileiro.
Mas a imprensa preferia ignorar o movimento "underground",
as bandas sem gravadoras e principalmente as letras recheadas de palavrões.
Mas o grupo crescia, e foi no festival Junta Tribo, realizado pelo fanzine
Broken Strings em plena Unicamp (universidade de Campinas) que a banda
começou realmente a chamar atenção. O evento reuniu
cinco mil malucos e dezessete bandas independentes durante três dias.
Quem viu a apresentação daqueles quatro candangos de crossover
alienígena diz que foi memorável. "O engraçado é
que eu mesmo liguei pedindo pra gente tocar", conta Fred. "Nosso nome nem
estava no cartaz do evento". Terminaram como unanimidade do festival. A
partir daí, o Brasil começou a ouvi falar no som do Raimundos,
e a fita demo passou a ser disputada a tapa pelos quatro cantos do país.
E foi no festival M2000 Summer Concerts, em Santos
(04/02/94), que o Raimundos passou a chamar a atenção de
todos. O show, bastante aguardado por aqueles que já haviam ouvido
falar da banda, mais ainda não conheciam o som, serviu para firmar
a banda com um som totalmente hardcore (como pôde ser visto na imprensa,
no dia seguinte), diferente do que alguns esperavam - 50% forró
e 50% hardcore. Apesar do som ter apresentado problemas, e a banda estar
um pouco fora de forma ("fazia um mês que a gente estava parado,
só tomando Coca-Cola e comendo pizza", entrega Digão), o
show foi um dos mais aplaudidos da noite (tocaram Doctor Sin, Deborah Blando,
Rollins Band, Mr. Big e Lemonheads), pelo público de 80 mil pessoas.
Rodolfo comenta: "Na hora que eu vi o hotel cinco estrelas e o ônibus
só pra gente eu pensei: 'cara, a gente é banda!'".
Algumas bandas que gostaram daquele novo estilo
do grupo começaram a convidar os caras para abrir shows no Rio de
Janeiro. Eles abriram shows do Camisa de Vênus, Ratos de Porão
no Circo Voador e uma temporada completa para os Titãs - em um desses
shows, um mal sucedido "mosh" dado pelo baterista Fred lhe acarretou um
coágulo no cérebro, felizmente retirado com uma cirurgia.
O convite para abrir esses shows lhes rendeu uma legião de fãs,
e a atenção das grandes gravadoras. Rodolfo conta: "várias
delas nos procuraram querendo mexer no nosso som, censurar as letras e
diminuir a intensidade. Podíamos estar agora cheios da grana e infelizes,
mas preferimos recusar as propostas". Mal sabia ele o que essa fidelidade
com o som original da banda viria a acarretar para o rock nacional dos
anos 90.
O jornalista e radialista brasiliense Carlos
Marcelo, tendo uma cópia da fita demo em mãos, entrou em
contato com um amigo jornalista da revista musical Bizz (atual ShowBizz),
ninguém menos que o Carlos Eduardo Miranda, que conta: "eu escutei
aquela fita e já entrei em contato com os caras, falei pro Fred
vir para São Paulo, que a gente precisava conversar, pois já
existia alguns planos sobre o selo Banguela , mas nada estava certo ainda.
Então a gente se encontrou, já ficamos amigos". A vontade
de gravar o grupo era tanta que os próprios Titãs, junto
com o produtor Miranda, resolveram montar o selo, filiado a gravadora Warner,
que ficaria responsável pela distribuição dos álbuns
do Banguela. "As outras gravadoras oferecem contratos milionários,
limusine, hotel cinco estrelas, só que quem acaba pagando todo isso
são as próprias bandas, que tem que vender muito para cobrir
os gastos. Nós temos o suficiente, o mínimo necessário
pra fazer algo apresentável". Foi assim que o grupo finalmente começou
a gravar o seu disco de estréia. A partir daí a banda passa
a morar em São Paulo, já que nenhuma gravadora teria condições
de ficar bancando as viagens para Brasília. No início eles
ficaram hospedados na casa do Carlos Eduardo Miranda, onde tiveram que
dormir no chão. Mas não por muito tempo.
Mas afinal, o que era o "forró-core"?
Este termo foi criado para definir a mistura que a banda fazia em algumas
músicas, mas surgiu mais como uma brincadeira. Alguns repórteres
chegaram a perguntar para eles como foram os trabalhos de 'pesquisa' de
forró. Mas, como já havia sido dito, o forró surgiu
meio que inconscientemente no som da banda. E como o termo criado por eles
próprios passou a limitar o som do grupo (já que se esperava
algo com metade rock e metade forró), eles preferiram passar a denominar
o estilo como sendo apenas "rock pauleira".
Um pouco antes do álbum de estréia
sair eles gravaram de forma independente, com a produção
do "CPCE" da UnB (Universidade de Brasília) e direção
de Eduardo Bellmonte, o clipe da música de trabalho do álbum,
"Nega Jurema". Este foi o pontapé inicial para a divulgação
da banda para aqueles que ainda não conheciam o som, ou seja, através
da MTV (já que o som era impróprio naquela época para
tocar em certas rádios FMs). Um fato curioso é que o clipe,
apesar da precária produção visível, devido
a pedidos do público, participou da escolha da audiência na
MTV, para o clipe que representaria o Brasil nos Estados Unidos (perdeu
para o Sepultura, com o clipe de "Territory"). A banda se despediu de Brasília
com um show no bar/ boate Gate's Pub, no dia 21/04/94.
Com o lançamento do álbum, a banda
volta pra São Paulo, para divulgar o disco. É nessa época
que o grupo é apresetado aos seus maiores ídolos, os Ramones.
Eles estavam de passagem pelo Brasil, e participaram de um coquetel, onde
também estava sendo lançado o álbum dos Raimundos.
Digão conta: "Pois é, a gente estava lá no hotel,
maior festa, disco do Raimundos pra lá e pra cá, de repente
eu olho pro lado e vejo o C.J., aí pensei: 'caralho, fudeu!' a gente
conheceu os caras, eles são muito loucos, entregamos o disco pra
eles. Eu nunca pensei que isso fosse acontecer comigo algum dia". A partir
desta época a banda começou a ganhar espaço na mídia.
Discografia
Raimundos
Lavô Tá Novo
Cesta Básica
Lapadas do Povo
Trilha do Filme The Big Shit (Música -
Wipe Out 2)
Só no Forevis